quarta-feira, 21 de março de 2012

Ele esteve no meio de nós

NUMA TARDE DESSAS, um calor infernal se apossou da cidade de Curitiba e eu testemunhei tudo dentro de um ônibus.

Logo que entrei vi que um rapaz com cabelo comprido e blusa de roqueiro ofereceu seu lugar a uma senhora que passou reta pelo banco preferencial e foi lá atrás requerer o banco da cansada diarista. Por sorte dessa trabalhadora, nosso roqueiro aquiesceu seu coração e prontificou-se:

- sente aqui minha senhora!

Não ouvi um “muito obrigado”, mas por dentro a gratidão devia ser muito grande. Lá ficou o cabeludo em pé com sua mochila cheia de botons de bandas de rock. Mas, passado alguns minutos alguém se levantou para descer bem em frente do roqueiro e ele sentou novamente. Mas estava perturbado, como se fosse um insulto um roqueiro vadio ficar sentado, enquanto a massa de colarinho azul estava em pé. Cedeu seu lugar a uma mulher cheia de sacolas plásticas. Essa agradeceu baixinho, mas o que ela pretendia dizer era: como pode uma alma tão boa vagar por esse mundo tão injusto!

Mas a senhora de sacolas também precisou descer, alias a maioria já tinha desembarcado. Aqueles que permaneciam no ônibus estavam felizes pois, até que enfim, tinham um lugar para cair morto, um banco de ônibus. O roqueiro estava sentadinho ouvindo em seu IPOD alguma banda escandinava. Na última parada do ônibus (última para o roqueiro), dois ou três pessoas entraram no “bonde”, o qual tinha uns quatro ou cinco lugares vagos. Uma das mocinhas que entrou passou também reta de um banco vago e foi direto ao banco que ele estava sentado e ele mais uma vez mostrando toda a sua educação se levantou e ofereceu o lugar para a moça. Nem deu tempo de agradecer. O ônibus foi tomado por uma aura mística e nosso roqueiro curitibano de repente ficou envolto em lençóis tão alvos quanto à neve e foi subindo arrebatado pelos céus acompanhado por um séquito de lindas borboletas amarelas. Foi a última vez que o Pinhais/Campo Comprido viu essa boa alma espremida no meio de nós.

Curitiba - Sol quente.

domingo, 11 de março de 2012

O que é Psicologia Social



Silvia Tatiana Maurer Lane é uma importante pesquisadora brasileira que, desde a década de 1980 vem contribuindo nas discussões acadêmicas sobre a Psicologia Social. Em 1981 quando publicou o livro “O que é Psicologia Social” pela “Coleção Primeiros Passos”, possuía graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), posteriormente obteve seu doutorado em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras de São Bento e o Pós-Doutorado pela École de Hautes Études em Sciences Sociales.




A obra de Lane aqui resenhada é o resultado das primeiras leituras sobre o tema a partir do ponto de vista psico-sociológico da autora. Nesse livro, Lane aborda uma série de problemas relacionados à Psicologia Social, tais como: as identidades sociais, os papéis sociais, as representações sociais, a linguagem, o discurso e a ideologia, e as instituições sociais, principalmente a família e a escola, trata ainda sobre trabalho e classes sociais e, por fim, faz uma reflexão teórica sobre a Psicologia Social no Brasil.



No início do livro Lane ressalta as diferenças fundamentais entre a Sociologia e a Psicologia Social, pois, justifica, que ambas as disciplinas dialogam, mas a primeira se detêm especificamente na relação entre a sociedade agindo no indivíduo, seu foco, portanto é a sociedade, enquanto a segunda se detêm na relação entre o indivíduo inserido numa determinada sociedade, portanto, seu foco é o indivíduo. Dada essa diferença epistêmica a autora explora alguns conceitos comuns a ambas as disciplinas as quais foram elencadas acima. Enfatiza a criação de identidades sociais o que acarreta a criação de papéis sociais desempenhados pelos indivíduos – ou atores – que representam funções orgânicas fundamentais na consolidação do que é considerado normal na sociedade. Por exemplo: o papel de homem-pai-marido se relaciona com o papel de mulher-mãe-esposa, isso é o normal. Alterações nesses papéis desencadeiam uma sucessiva reação social de desaprovamento.



Em seguida Lane discorre sobre o modo como esses papéis e representações são consolidados na sociedade via linguagem, a qual sustenta um discurso fomentador de ideologias. Essas ideologias são sustentadas pelas principais instituições sociais, como, por exemplo: a família e a escola.



É desde cedo na família que se ouve a frase: “menino não chora”, ou “isso não é jeito de menina”, o que demonstra como, ainda na infância, meninos e meninas vão se apropriando de papéis, os quais, paulatinamente, vão representar na sociedade. A escola, por sua vez, espaço que deveria ser destinado à autocrítica e emancipação do indivíduo coopera na reprodução dos papéis sociais, ou classes sociais, para usarmos uma expressão de Bordieu (1988).



Em outro capítulo Lane analisa à questão do trabalho, no qual expõe as contradições inerentes a uma sociedade capitalista. Nesse aspecto a autora faz uma leitura marxista sobre as classes sociais, as quais têm suas gêneses na relação entre os que detêm os meios de produção e os que não detêm e, por isso, vendem a única coisa que possuem: a mão de obra. Nesse caso, Lane questiona a dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho braçal, o qual, segundo a autora, nada mais é do que uma ideologia proposta pelos grupos dominantes.



Por fim, Lane faz uma crítica ao próprio desenvolvimento da Psicologia Social no Brasil, a qual ainda tem dificuldades em se inserir no contexto social através da práxis, pois, segundo a autora, os acadêmicos da Psicologia Social estão circunscritos aos próprios termos teóricos (debates). No entanto, se o foco da Psicologia Social é o indivíduo, o teórico precisa dimensionar sua esfera contextual: a própria sociedade em que este está inserido.



Leitura provida de senso-crítico, análise psico-sociológica e engajamento político, ademais, Lane propõe um corte na própria carne ao criticar o não-engajamento dos teóricos da Psicologia Social no contexto dos indivíduos que são objetos de suas pesquisas. Lane é leitura indispensável para as discussões sobre Psicologia Social no Brasil.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LANE, Silvia T. Maurer. O que é Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1981 – (Coleção Primeiros Passos; 39), 1981.

BORDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.