domingo, 22 de julho de 2012

ENSAIO SOBRE MODELOS DE AUTORIDADE ETNÓGRAFICA NA PERSPECTIVA DE JAMES CLIFFORD


James Clifford é professor do Programa de História na Universidade da Califórnia, (EUA). Sua obra versa sobre antropologia e modernidade, na qual propõe historicizar a cultura no sentido antropológico ou etnográfico. No artigo Sobre a autoridade etnográfica Clifford demonstra como se foi construindo historicamente a noção de autoridade etnográfica, ou seja, o modo como o autor se coloca presente no texto, como ele legitima um discurso sobre a realidade e, de certo modo, como ele legitima sua experiência no campo.
Nesse sentido, Malinovski, principalmente com o seu livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental é considerado o divisor de águas. Antes dele, o etnógrafo – aquele que descrevia os costumes –, e o antropólogo – aquele que era o construtor de teorias gerais – eram personagens distintos, o que constantemente gerava uma tensão entre experiência e interpretação, empiria e teoria.
No entanto, no auge do trabalho etnográfico (1900-1960), houve significativa mudança de foco sobre o etnógrafo, ao mesmo tempo em que ocorreu uma academicização do trabalho de campo. Clifford faz menção a uma indagação comum na antropologia nessa época de academicização em relação ao trabalho etnográfico: “Se a etnografia produz interpretações culturais através de intensas experiências de pesquisa, como uma experiência incontrolável se transforma num relato escrito e legítimo?” (CLIFFORD, 1998, p.21).
Dessa indagação surge, então, um profissional especializado (etnógrafo profissional) em pesquisa de campo. Nessa perspectiva o missionário, o viajante, o comerciante são todos enquadrados como participantes não-neutros, ademais, por não possuírem conhecimentos específicos sobre o contexto dos povos que descreviam comprometiam suas descrições.
Após a ascensão desse etnógrafo especializado se propaga a ideia da observação participante. Contudo, para que esses modos de autoridade etnográfica se firmassem, eram necessárias, no entanto, inovações metodológicas, ou seja, o etnógrafo profissional deveria viver entre aqueles que quisesse descrever. Deveria usar a língua dos nativos e, por fim, ter um senso de observação apurado capaz de descrever as minúcias do sistema cultural dos povos observados. A pretensão, nesse caso, era que a etnografia estivesse mais para abstrações teóricas do que para inventários exaustivos de costumes e crenças, como faziam, por exemplo, os missionários.
Em seguida, James Clifford discorre sobre os modos de autoridade: o experiencial, o interpretativo, o dialógico e o polifônico, e analisa alguns pontos frágeis nesses modelos, os quais podem comprometer a autoridade etnográfica.
O modelo clássico de modo de autoridade seria o experiencial, que é exemplificado com Malinowski, onde se tenta comprovar o “Eu estive lá”, pois, a experiência tem servido como autoridade etnográfica, visto que existe uma relação importante entre o pesquisador e sua capacidade de apreender o objeto de estudo.
 No modelo interpretativo a crítica principal recai no entendimento de que se possa ver a cultura como um conjunto de textos, “‘a textualização’ é entendida como pré-requisito para a interpretação”. Aqui, o discurso se transforma num texto (CLIFFORD, 1998, p.39). Porém, para o autor, não há como você trazer um discurso para ser interpretado tal qual um texto é lido. “A interpretação não é uma interlocução. Ela não depende de estar na presença de alguém que fala” (CLIFFORD, 1998, p.40). Esse modelo tem importância, sobretudo, para Paul Ricouer, para o qual o entendimento do discurso depende da presença onde o discurso foi feito, pois a tradução da experiência de pesquisa num corpo textual separado de suas ocasiões discursivas de produção tem importantes consequências para a autoridade etnográfica (CLIFFORD, 1998, p.13).
Atualmente esses dois modos de autoridade, o experiencial e o interpretativo, estão cedendo lugar ao dialógico e ao polifônico. O modo de autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de “uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente significativos” (CLIFFORD, 1998, p.43). Já o modo de autoridade polifônico, que rompe com as etnografias que pretendem conter uma única voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a “produção colaborativa do conhecimento etnográfico, citar informantes extensa e regularmente” (CLIFFORD, 1998, p.54). Ironicamente, a etnografia existe num contexto de plágio, onde nativos narram suas histórias e etnógrafos as compilam para posterior interpretação e publicação. Obviamente, nessa perspectiva, os nativos também são escritores, visto que a consciência etnográfica não pode ser mais considerada como monopólio ocidental.
Desse modo, como é impossível escapar dessa ironia, a antropologia moderna tenta por os informantes nativos como construtores ativos dessa realidade, quebrando o poder absoluto do etnógrafo baseada na sua observação pessoal e, assim, as múltiplas vozes presentes na etnografia, que antes se queria esconder, agora se quer descobrir.  
Em suma, Clifford não se coaduna com a interpretação ortodoxa acerca da etnografia e sugere a problematização do método. Na esteira do filósofo hermeneuta Ricouer, Clifford considera que a descrição etnográfica pode ser tratada na perspectiva de um texto literário, assim, as intenções pretendidas pelo etnógrafo depende menos dele e mais do leitor criativo que elaborará imagens particulares e multissubjetivas sobre aquilo descrito na etnografia (CLIFFORD, 1998, p.57).

Referência Bibliográfica

CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.320p.


 

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