James Clifford é professor do Programa de História na Universidade da
Califórnia, (EUA). Sua obra versa sobre antropologia e modernidade, na qual
propõe historicizar a cultura no sentido antropológico ou etnográfico. No
artigo Sobre a autoridade etnográfica
Clifford demonstra como se foi construindo historicamente a noção de autoridade
etnográfica, ou seja, o modo como o autor se coloca presente no texto, como ele
legitima um discurso sobre a realidade e, de certo modo, como ele legitima sua
experiência no campo.
Nesse sentido, Malinovski, principalmente com o seu livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental é considerado
o divisor de águas. Antes dele, o etnógrafo – aquele que descrevia os costumes
–, e o antropólogo – aquele que era o construtor de teorias gerais – eram personagens
distintos, o que constantemente gerava uma tensão entre experiência e interpretação,
empiria e teoria.
No entanto, no auge do trabalho etnográfico (1900-1960), houve
significativa mudança de foco sobre o etnógrafo, ao mesmo tempo em que ocorreu
uma academicização do trabalho de campo. Clifford faz menção a uma indagação
comum na antropologia nessa época de academicização em relação ao trabalho
etnográfico: “Se a etnografia produz interpretações culturais através de
intensas experiências de pesquisa, como uma experiência incontrolável se
transforma num relato escrito e legítimo?” (CLIFFORD, 1998, p.21).
Dessa indagação surge, então, um profissional especializado (etnógrafo
profissional) em pesquisa de campo. Nessa perspectiva o missionário, o
viajante, o comerciante são todos enquadrados como participantes não-neutros,
ademais, por não possuírem conhecimentos específicos sobre o contexto dos povos
que descreviam comprometiam suas descrições.
Após a ascensão desse etnógrafo especializado se propaga a ideia da
observação participante. Contudo, para que esses modos de autoridade
etnográfica se firmassem, eram necessárias, no entanto, inovações
metodológicas, ou seja, o etnógrafo profissional deveria viver entre aqueles
que quisesse descrever. Deveria usar a língua dos nativos e, por fim, ter um
senso de observação apurado capaz de descrever as minúcias do sistema cultural
dos povos observados. A pretensão, nesse caso, era que a etnografia estivesse
mais para abstrações teóricas do que para inventários exaustivos de costumes e
crenças, como faziam, por exemplo, os missionários.
Em seguida, James Clifford discorre sobre os modos de autoridade: o
experiencial, o interpretativo, o dialógico e o polifônico, e analisa alguns
pontos frágeis nesses modelos, os quais podem comprometer a autoridade
etnográfica.
O modelo clássico de modo de autoridade seria o experiencial, que é
exemplificado com Malinowski, onde se tenta comprovar o “Eu estive lá”, pois, a
experiência tem servido como autoridade etnográfica, visto que existe uma
relação importante entre o pesquisador e sua capacidade de apreender o objeto
de estudo.
No modelo interpretativo a crítica
principal recai no entendimento de que se possa ver a cultura como um conjunto
de textos, “‘a textualização’ é entendida como pré-requisito para a
interpretação”. Aqui, o discurso se transforma num texto (CLIFFORD, 1998,
p.39). Porém, para o autor, não há como você trazer um discurso para ser
interpretado tal qual um texto é lido. “A interpretação não é uma interlocução.
Ela não depende de estar na presença de alguém que fala” (CLIFFORD, 1998,
p.40). Esse modelo tem importância, sobretudo, para Paul Ricouer, para o qual o
entendimento do discurso depende da presença onde o discurso foi feito, pois a
tradução da experiência de pesquisa num corpo textual separado de suas ocasiões
discursivas de produção tem importantes consequências para a autoridade
etnográfica (CLIFFORD, 1998, p.13).
Atualmente esses dois modos de autoridade, o experiencial e o
interpretativo, estão cedendo lugar ao dialógico e ao polifônico. O modo de
autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de “uma negociação
construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais sujeitos
conscientes e politicamente significativos” (CLIFFORD, 1998, p.43). Já o modo
de autoridade polifônico, que rompe com as etnografias que pretendem conter uma
única voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a “produção colaborativa do
conhecimento etnográfico, citar informantes extensa e regularmente” (CLIFFORD,
1998, p.54). Ironicamente, a etnografia existe num contexto de plágio, onde
nativos narram suas histórias e etnógrafos as compilam para posterior
interpretação e publicação. Obviamente, nessa perspectiva, os nativos também
são escritores, visto que a consciência etnográfica não pode ser mais
considerada como monopólio ocidental.
Desse modo, como é impossível escapar dessa ironia, a antropologia
moderna tenta por os informantes nativos como construtores ativos dessa
realidade, quebrando o poder absoluto do etnógrafo baseada na sua observação
pessoal e, assim, as múltiplas vozes presentes na etnografia, que antes se
queria esconder, agora se quer descobrir.
Em suma, Clifford não se coaduna com a interpretação ortodoxa acerca da
etnografia e sugere a problematização do método. Na esteira do filósofo
hermeneuta Ricouer, Clifford considera que a descrição etnográfica pode ser
tratada na perspectiva de um texto literário, assim, as intenções pretendidas
pelo etnógrafo depende menos dele e mais do leitor criativo que elaborará
imagens particulares e multissubjetivas sobre aquilo descrito na etnografia
(CLIFFORD, 1998, p.57).
Referência Bibliográfica
CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.320p.
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