sexta-feira, 27 de junho de 2014

Ideologias Políticas

Anthony de Crespigny é pesquisador e professor de Ciência Política na Western Reserve University, além de contribuir com inúmeros artigos que tratam sobre política contemporânea. Jeremy Cronin, por sua vez, também é pesquisador na área de Ciência Política além de ativista político. A obra de Crespigny e Cronin aqui resenhada é o resultado das primeiras leituras sobre o tema a partir do ponto de vista da Ciência Política. Nesse livro, os autores, organizam uma bibliografia específica sobre as diferentes correntes ideológicas, tais como: Conservadorismo, Liberalismo, Socialismo, Democratismo, Totalitarismo e Nacionalismo; a partir da contribuição de autores especializados no assunto, os quais serão apresentados aos leitores à medida que fomos resenhando a obra. Essas ideologias se manifestaram com maior ou menor intensidade ao longo do tempo, mas todas exerceram influência sob este ou aquele regime político.

Conservadorismo: do fato de ser conservador



Michael Oakeshott é o autor que trata sobre a ideologia política conservadora. Sua experiência na área é relevante, visto ter sido ele catedrático de Ciência Política na London School of Economics, na Inglaterra.




Esse autor justifica em seu comentário sobre o tema de que antes de iniciar uma discussão estritamente política faz-se necessário entender que existe uma disposição em alguns indivíduos em se posicionarem como conservadores nos mais comezinhos assuntos do cotidiano, e que essa disposição é transplantada para o campo político. A conduta política conservadora se manifesta quando os homens entendem que o risco futuro é maior que as garantias presentes, ou seja, a tendência conservadora é usufruir do presente, gozar o disponível e não construir ou reformar algo, pois não existem garantias concretas de que o futuro esperado será melhor do que o agora. Em outras palavras é preferir o conhecido ao desconhecido.



Oakeshott exemplifica que a amizade, os negócios, o amor, a religião etc., na maioria das vezes é vivida e compartilhada sob uma perspectiva conservadora. Portanto, se o individuo em questão é conservador nos negócios, na moral ou na religião, coerentemente adotará a mesma conduta quanto à política, pois, afinal, suas decisões políticas são abalizadas pelo contexto em que vive e suas decisões não se fundamentam em decisões abstratas, antes, na própria concepção de mundo criada a partir de suas escolhas, nesse caso, conservadoras. Sendo assim, não existe nenhuma incongruência em um individuo fazer escolhas conservadoras no seu dia a dia e ter predileção por uma política considerada conservadora.



Ademais, o conservador compreende que a própria ação do governante não é interferir no modo de vida dos indivíduos que estão abaixo de seu domínio, ou, em outras palavras, fomentar políticas públicas para aqueles que não se enquadram na conduta de vida da maioria. Ora, o conservador defende que aqueles que não se enquadram na conduta de vida conservadora receba do Estado uma compensação pelo comportamento alheio contrário, mas nunca o Estado deve gerenciar a defesa dos interesses dessa ínfima parcela em detrimento do todo que se encaixa numa forma de conduta padrão.

Os princípios de uma ordem liberal


Friedrich Hayek é o autor que discute os princípios de uma ordem liberal. O autor possui um extenso currículo, no qual constam atividades docentes em várias universidades, tais como: Universidade de Chicago e Universidade de Friburgo; atividades burocráticas e de pesquisa no Instituto Austríaco de Pesquisa Econômica, onde foi seu diretor. A importância teórica de Hayek foi reconhecida em 1974 quando recebeu o Prêmio Nobel de Economia.


Em sua obra Hayek discute o conceito central dentro do pensamento liberal, o qual se ocupa da aplicação de normas universais de conduta justa, garantindo aos cidadãos o direito ao domínio privado de suas posses, justifica o autor que o liberalismo recebeu a herança das teorias do direito comum e do direito natural. Dessa forma Hayek delimita especificamente o papel do Estado na política, deixando evidente que sua principal função é disponibilizar os meios para que, espontaneamente, os homens empreendam atividades humanas sem cerceamento, desde que baseados no principio liberal da conduta justa.


Dessa forma o Estado cerceia àqueles indispostos ao exercício de atividades relacionadas à conduta justa, ou seja, o Estado deve dizer o que não fazer, mas não o que fazer, pois se a conduta justa é a norma dos cidadãos pertencentes a este Estado a regra coercitiva se estabelece aos que não se enquadram e que, nesse caso, receberão o ônus e o bônus pelas escolhas opostas ao da grande maioria, mas de forma nenhuma a maioria deve ser cerceada pelos parâmetros de escolhas – sejam elas culturais, econômicas, políticas – da minoria.


O autor enfatiza as categorias do direito privado como garantidores de sociedades liberais, pois a substituição dessas categorias por concepções derivadas do direito público ocasionam à mudança de regime e na maioria das vezes a transformação de uma sociedade liberal em uma sociedade totalitária.


Por fim critica a “economia do bem estar” que alguns regimes políticos defendem, pois a distribuição de recursos entre os menos favorecidos onera os indivíduos por meio da carga tributária. Para ele ricos e pobres participam do mesmo jogo e ambos lucram com os resultados, ora, para o autor a habilidade e a sorte são as duas moedas anteriores ao lucro, portanto, o Estado não deve intervir ou reparar uma falta de habilidade ou a má sorte, visto que, segundo o autor, todos participam e devem arcar com as consequências naturais de perdas e ganhos.

Que é o Socialismo?
George Douglas Howard Cole discute neste livro o Socialismo por meio de uma perspectiva histórica diferenciando o Socialismo e o Comunismo, assim como a separação entre um modelo de sociedade e outro. O autor é engajado politicamente na defesa do Socialismo corporativista. Exerceu funções políticas e burocráticas no Fabian Society, onde foi seu diretor; e também atividades acadêmicas na Universidade de Londres e Oxford. Dentre suas principais obras destacam-se: Self Government in Industry; Guild Socialism Re-Stated e A Century of Co-peration.


Como dissemos anteriormente Cole faz um panorama histórico para analisar o tema e começa por situar os primeiros teóricos socialistas, tais como: Saint-Simon, Fourier e Owen; os quais, posteriormente, foram designados como utópicos por Karl Marx, o qual estabeleceu a separação entre um tipo de socialismo utópico e um tipo de socialismo científico.


Para o autor o Socialismo chamado utópico tinha como paradigma além da justiça social o respeito aos direitos individuais, enquanto o Socialismo chamado de cientifico a luta de classes. Essas divergências acabaram por distanciar os diversos grupos considerados socialistas, pois as interpretações se chocavam. Essas interpretações divergentes entre os diversos grupos eram forjadas no contexto histórico de cada nação que tentava às suas maneiras a revolução, pois, na Inglaterra, por exemplo, a concepção materialista da história defendida por Marx não foi aceita, visto que os princípios de uma religião não-conformista foram fundamentais para atrelar junto à mensagem ética da religião à causa socialista. Ou ainda relacionado ao teórico que seguiam e que, de certa forma, lideravam no campo das ideias inúmeros revolucionários. Os escritos de teóricos como: Karl Marx, Bakunin e Proudhon, formavam tendências políticas e lançavam bases para a práxis socialista.


Demonstra, também, como aos poucos o Socialismo deixou de ser uma ideologia política pertencente apenas ao Ocidente, mas sim a qualquer nação onde existissem injustiças sociais e estratificações sociais. Exemplos disso ocorreram na Rússia e China, contudo, no período entre guerras, arrefeceu em algumas nações ocidentais o empenho socialista. Os principais motivos foram: as próprias condições históricas de algumas sociedades, como, por exemplo, a estadunidense, ou, ainda, o tipo de socialismo implantado na Rússia por Stálin.


Por fim analisa como em muitos casos na história o socialismo deixou de ser apenas uma proposta revolucionária para se transformar numa proposta reformista, onde seus líderes compreendiam que a partir da educação, do sufrágio e da participação política suas sociedades seriam impactadas por transformações sociais importantes.

Democracia
Richard Arthur Wollheim trata no livro Ideologias Políticas sobre o tema Democratismo. O autor exerceu, sobretudo, atividades docentes na Universidade de Londres, onde foi professor de Filosofia da Mente e Lógica. Dentre suas principais obras destacam-se: Socialism and Culture, F.H. Bradley, e Freud. Wollheim primeiramente estabelece a concepção política da democracia, ou seja, a discussão sobre o tema diz respeito à forma de governo democrático e não à forma de sociedade democrática.



Após essa explicação parte de um recorte histórico para ligar tanto a palavra democracia quanto ao conceito político aos gregos. Contudo, ressalva que embora esses nos tenham deixado esse legado político, em suas épocas inúmeros opositores se levantaram contra essa forma de governo, dentre os quais: Platão e Sêneca.


Reconhece, porém, o autor que na contemporaneidade a discussão sobre a democracia não deve ter como norteadora na prática a experiência grega, pois na Grécia Clássica essa experiência de governo se estabeleceu em pequenas sociedades onde numa assembleia todos poderiam dar suas opiniões. Sabemos que atualmente essa prática não funcionaria dada as condições sociais em que vivemos


Embora considere difícil seguir o desenvolvimento do conceito Democracia estabelece alguns movimentos importantes para sua elaboração prática, dentre os quais destacamos:

O movimento puritano na Inglaterra: a partir da militância dos santos puritanos se originou a noção moderna de democracia, a qual, sobretudo, se apoiava na crença da separação entre o estado e a igreja.


A revolução de 1688: John Locke com sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil datado próximo da revolução, substitui o direito de nascença por um direito natural.

A revolução Americana (sic): aqui novamente a obra de Locke exerce influência sobre o desdobramento da revolução, pois dois dos seus principais ideólogos, Jefferson e Madison, eram declaradamente democratas.


Os Utilitários: por meio de abstrações analógicas os utilitaristas compreendiam que todos os homens buscam a felicidade, portanto, toda a ação humana deve se pautar na produção de felicidade a esse grande número de pessoas. Esse grande número de pessoas precisa de um governo, então o melhor governo é a Democracia, visto ser ele aquele que se encarregará de buscar a felicidade para o maior número de pessoas e que estará nas mãos da maioria das pessoas.


A luta pelo governo da maioria: por fim as discussões feitas em vários estados dos Estados Unidos a respeito do sufrágio universal foram fundamentais para que se ampliasse a participação das massas no processo político.


Wollheim termina suas formulações teóricas sobre a Democracia admitindo que no curso da história inúmeros autores a defenderam, alguns de maneira romântica, portanto, equivocada, outros de maneira mais teórica, todavia, a melhor explicação para uma defesa dessa forma de governo se encontra nas próprias condições modernas, onde a maioria das pessoas não aceita a tutela política e querem de uma maneira ou de outra influenciar o governo com suas ideias e opiniões, o que será somente possível com a Democracia.

Reflexões sobre o Totalitarismo
O Totalitarismo como ideologia política é trabalhada neste livro pelo pesquisador e conferencista Robert Orr. Orr nasceu na Nova Zelândia em 1927 e desde 1963 é conferencista senior na London School of Economics. Dentre suas principais obras destacamos: Reason and Authority.

Robert Orr destaca no início de suas investigações sobre o Totalitarismo a dificuldade científica em se discutir esse tema, pois embora a palavra autoridade seja componente importante de qualquer regime político, autoritarismo é um modelo político recente, pois nos termos em que é estudado aparece apenas no século XX e tem sua gênese como regime na experiência da guerra moderna.


Justifica o autor que a palavra, totalitário, virou um termo pejorativo e que pode ter perdido ao longo dos anos seu real significado teórico, daí as dificuldades da pesquisa. Dizer que um regime político é totalitário é enquadrá-lo, segundo o senso-comum, nas mesmas categorias opressoras da Itália de Mussolini ou a Alemanha de Hitler, enquanto que como fenômeno político não deveria ceder às vulgarizações pejorativas, mas sim investigado e compreendido a partir da razão teórica.


Dentre os pesquisadores do assunto Orr recomenda a leitura de Hannah Arendt Charlton Hayes e Carl Friedrich, pois cada um avança um pouco mais na compreensão sobre essa ideologia e dão as características fundamentais para que esse ou aquele regime seja considerado totalitário. Embora os pesquisadores tenham divergências sobre as particularidades desse regime é amplo o entendimento de que ele possui 1) uma ideologia totalista; 2) um partido único comprometido com essa ideologia e geralmente liderado por um homem, o ditador; 3) uma polícia secreta altamente desenvolvida. Ademais o controle da economia, dos meios de comunicação de massa e da propaganda é fundamental para o êxito político do totalitarismo.


O autor ao término de suas considerações enfatiza que os métodos adotados na investigação teórica do totalitarismo, embora insuficientes na compreensão do todo, são tentativas eficazes para um desdobramento de estudos posteriores.

Nacionalismo
A última ideologia política trabalhada neste livro trata diz respeito ao Nacionalismo e é apresentada e problematizada por Hans Kohn. Kohn foi professor de História no City College, em Nova York e pesquisador do Instituto de Pesquisa em Política Exterior da Universidade da Pensilvânia. Entre suas principais obras destacamos nessa resenha os seguintes livros: Force or Reason: Issues of the Twentieth Century e Revolutions and Dictatorships: Essays in Contemporary History.


O autor inicia sua problematização sobre o Nacionalismo como ideologia política afirmando que essa ideologia é recente e pertence às sociedades modernas, pois antes do século era XVIII era desconhecida. Segundo o autor a ideologia nacionalista não pertence a um único sistema política, mas manifesta-se nos mais variados como, por exemplo: na democracia, no fascismo, no comunismo etc.


Uma das características mais importantes destacadas pelo autor diz respeito à metamorfose pela qual passou essa ideologia que, num primeiro momento, era um movimento particularmente apropriado pelas elites, depois foi o corolário da classe média, a partir de sua ascensão e, por fim, no século XX foi um movimento de massa com a participação da população em geral.


Outra questão importante em sua análise teórica é sobre a dicotomia existente nessa ideologia, pois o Nacionalismo, segundo o autor, se manifesta em duas correntes distintas: a corrente fechada e a corrente aberta. A corrente aberta é própria daquelas nações que, independentemente da questão de raça ou etnia, se configura a partir de sua territorialidade e tem como exemplo máximo os Estados Unidos. Em contrapartida o Nacionalismo de tipo fechado tem sua base na pureza racial e na supremacia nacional e tem como exemplo máximo a Alemanha nazista.


Por fim o autor enfatiza a importância dessa ideologia, contudo, reconhece ser necessário à mediação de um órgão internacional como, por exemplo, as Nações Unidas. A ideia desse órgão é intermediar conflitos que podem levar a situações extremas de nacionalismo, mas, por outro lado, reconhecer a importância dessa discussão, visto que por meio dela se coíbe a prática de anexação de territórios por parte das nações mais poderosas.


CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA
A leitura da obra organizada por Crespigny e Cronin é de suma importância na Ciência Política, pois traz alguns dos principais especialistas nos temas discutidos pelo livro, grande parte deles pertencentes à London School e membros de renomados institutos de pesquisas.


Ao estudarmos essas ideologias compreendemos os desdobramentos de ações políticas ocorridas no passado e no presente. Ademais, esclarece as diferenças entre sistemas políticos e sistemas sociais. Por sistemas políticos entendemos que são aqueles que sobrepujam outras tendências partidárias e se estabelecem numa sociedade sem necessariamente a fazer romper com hábitos culturais, por exemplo: o democratismo; enquanto que sistemas sociais se estabelecem no âmago de uma sociedade e a faz romper com costumes culturais, por exemplo: conservadorismo, liberalismo, socialismo. Buscou-se, muitas vezes, esse rompimento pelas vias da revolução – às vezes liderada por atores sociais oriundos da burguesia, outras oriundas do campesinato, ou proletariado.


Por fim a obra organizada por Crespigny e Cronin é fundamental para compreendemos as bases de inúmeros sistemas políticos e sociais e entendermos os desdobramentos de algumas escolhas políticas feitas por diversas nações. Embora os autores responsáveis pelo estudo de algumas ideologias constatem que ainda há muito a ser estudado, principalmente sobre o Totalitarismo e Nacionalismo, a Ciência Política – principalmente nos estudos sobre relações internacionais – pode contribuir significativamente para as interpretações de alguns conflitos instaurados no século XXI, tais como as crises políticas no Afeganistão, no Iraque e, recentemente, no Egito e na Líbia.

Leitura indispensável para as discussões políticas no Brasil.

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